segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A função social

-Já o mantivemos na empresa durante quase um ano depois de se reformar. Temos que o substituir.
-O homem recebe quarenta contos de reforma e tem um filho com quinze anos para criar. Deixe-o ficar mais uns tempos.
-Tu sabes que isto não é a Santa Casa...
-Mas ele também só é vosso empregado durante a semana e eu lembro-me de o ver muita vez a trabalhar para o seu paizinho e para o seu tio ao fim de semana. Nunca virou a cara ao trabalho. Ou já se esqueceu das vezes que ele o foi levar a Coimbra de madrugada às aulas.
-Vou pensar no assunto...
Este diálogo é verídico. Foi-me contado por um dos dois intervenientes há cerca de vinte anos.
O reformado ainda é vivo. Trabalhou mais meia duzia de anos, sempre competente e disponível, e acabou de criar o filho que é hoje um pai de familia.
O gestor era por essa altura um rapaz inexperiente e inseguro com uma empresa nas mãos e sentia diariamente o nascer das tensões naturais entre o que tinha aprendido na Faculdade e uma coisa comezinha mas sempre presente e pesada que se chama realidade. É hoje um administrador de sucesso e a sua empresa uma das sete maiores no seu ramo em Portugal.
O homem que o aconselhou nunca chegou a reformar-se: morreu antes disso, mas trabalhou até ser vencido pela doença.
Penso que o reformado nunca teve conhecimento desta conversa.
Às vezes são pensamentos como estes que nos conseguem abstrair da realidade.
Recordar histórias com nuances de paradigma e finais quase felizes, ajuda-nos a quase compreender a gesto de muitos gestores e técnicos superiores de multinacionais que ultimamente têm engrossado o caudal dos suicídios no mundo dito civilizado.
Tudo em nome de objectivos que não conseguiram passar disso mesmo... apenas objectivos!

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