sexta-feira, 5 de julho de 2024

do Texto que repito, mas nunca me canso

 





Há pessoas que se anulam por amor.
São como árvores que se despem para que ninguém ao seu redor deixe de ver a luz.
O amor por anulação é um amor que requer perspicácia.
O ente anulado é menos delicioso à vista, menos cativante.
Não raro é amorfo.
Chato.
Mas é.
Amar anulando-se é crescer por ver o brilho do outro.
É resplandecer sem brilhar.
É dar-se por inteiro em parcelas de nada. 
Anular-se e ter prazer é obra.
É abnegação.
É quase como trilhar o caminho sem o pisar e mesm
o assim sentir-lhe o cheiro das flores da berma.
Conseguir quase tocá-las.
É um amor de mãe.
Mas entre iguais.

segunda-feira, 1 de julho de 2024

da vida, da vidinha e da vidaÇa!


Saí e a porta fechou-se atrás de mim.
Há precisamente três anos, celebrados ontem.
Enquanto lá estive, nunca se fechou.
O hotel vai reabrir, novo, daqui a algum tempo, provavelmente com outro nome e, garantidamente, sem mim.
Cumpri o que disse perante a administração, num dia dos primeiros de Abril de dois mil e vinte, com a pandemia a rugir, que comigo lá a porta não se fecharia. Que as portas dos hotéis não são feitas para estar fechadas. Houve confinamento, houve lockout parcial, mas a porta nunca fechou.
Saiu-me do corpo. Consegui meter mais de dois anos de tempo de trabalho num ano e picos, mas a porta manteve-se aberta.
De um grupo de quinze pessoas, apenas eu acabei no desemprego. Tudo foi acautelado para ser causado o mínimo dano possível à equipa que, uns mais, outros menos, entregou ao hotel muitos anos da sua vida.
Não me é legalmente permitido dizer que pedi para ser despedido e por isso não o vou dizer.
Iniciei no dia um de Julho de dois mil e vinte e um, um período sabático assumido, que no início não tinha data de termo, mas que ao longo do tempo acabei por estabelecer que seria de três anos.
Acabou ontem.
Não que algo tenha mudado, que realmente não mudou, mas o mindset vai passar a ser outro a partir de hoje. 
Entrei em modo soft return. Estou no mercado para, espero que menos, mas nessa impossibilidade, dez anos de trabalho até à reforma.
Nestes três anos que agora terminam, pude acompanhar os últimos meses de vida da minha mãe, apoiando a Elsa em tudo o que fez pela sogra, algo que, por muito que viva, nunca lhe conseguirei agradecer. A minha mãe morreu ao nosso lado, em casa, com a paz que a doença lhe permitiu ter.
Nestes três anos que agora terminam, pude ter a possibilidade de cumprir o sonho de apenas dar formação, mas como se fosse rico: poucos dias por semana.
Nestes três anos que agora terminam, reencontrei-me. Reencontrei-me com a minha família, que é o que de mais importante podemos ter na vida, reencontrei-me com a disponibilidade de tempo para fazer tudo ou, melhor ainda, nada. Reencontrei-me com uma certa desfaçatez perante os tropeções da vida, uma capacidade que perdemos quando ficamos adultos, mas que nunca deveríamos perder porque só essa desfaçatez nos permite manter a magia.
Estou mais velho, mas consegui baixar os triglicéridos em apenas três meses de caminhadas, que nem sequer são diárias.
E tenho uma figueira no quintal, que eu plantei, que é pequenina ainda, mas tem treze figos. 
Eu, que nem acho piada nenhuma a figos.
Mas a Elsa gosta.