terça-feira, 2 de outubro de 2012

da Paz e da pequenês



A minha tia Helena trabalhou até ser atraiçoada pela mente pois o corpo, que há muito não podia, sempre resistiu.
A minha tia Helena foi abandonada pelo marido numa época em que tal coisa era a mais suprema das humilhações e mesmo assim criou quatro filhos.
A minha tia Helena tratou da mãe até ao fim sem um queixume. E a minha avô morreu bem velhinha e em paz.
A minha tia Helena tinha com o meu pai uma relação respeitosamente afectuosa: o cunhado que lhe levou as duas filhas ao altar.
A minha tia Helena cozia broa e telefonava ao meu pai que lhe levava sardinhas ou enchidos para a rechear. E naquelas noites de Inverno eu ia vê-la junto ao forno a tirar a broa que se abria logo ali e deitava um fumo espesso e untuoso e cheirava a milho.
A minha tia Helena morreu ontem e foi hoje a enterrar sem missa porque o padre da Mealhada a considerou, apesar de católica, não praticante.
Coíbo-me de dizer do padre da Mealhada mais que isto: não tem cara de ser boa pessoa. Acho isso desde que o vi pela primeira vez.
A minha tia Helena não tinha como ser praticante: estava encarcerada pelo seu próprio discernimento e ultimamente confinada a uma cama.
A minha tia Helena não morreu em paz e um homem a quem foi confiado um papel de  apaziguamento e de conforto espiritual, negou-se a cumprir sua função, não por ser incompetente, mas por ser mau.
Conheço poucas pessoas que merecessem tanto subir em paz como merecia a minha tia Helena.

1 comentário:

  1. infelizmente, é (ainda) com este tipo de pessoas que temos de viver... não tenho nada contra certas instituições, mas tenho contra certas pessoas que delas fazem parte...
    QUE A PAZ ESTEJA COM A TUA TIA

    ResponderEliminar