quinta-feira, 28 de junho de 2012

segunda-feira, 25 de junho de 2012

da Memória



Nasci numa rua de velhos.
O primeiro contacto foi adocicado: a dona Georgina que fez oitenta anos no dia em que nasci e que enquanto viveu, doze ou treze anos, sempre se lembrou de mim. Recordo um Rolls Royce Silver Ghost, mas houve mais. Era pequenina e tinha o cabelo branco, a dona Georgina.
E o "Ti" Quintas, que se sentava à porta com os braços cruzados sobre as costas da cadeira e que fumava tabaco de enrolar. Era um homem austero, o "Ti" Quintas, que ameaçava cortar com uma navalha as bolas que lhe fossem cair à horta. Nunca cortou nenhuma... O meu pai sempre me disse que ele era um bom homem, mas pelo sim pelo não nunca me aproximei muito.
Numa ponta da rua vivia o professor Armindo que era alto e como tinha os pés pequeninos caminhava de uma forma engraçada. Consta que era mau quando leccionava, mas a mim nunca me assustou: sempre o estimei. Na ponta oposta vivia o senhor Machado. O senhor Machado era o gerente do banco. Uma figura inacessível, amigo do meu pai, mas de quem se guardava uma prudente e saudável distância, nunca soube bem porquê. O sr Machado era casado com a dona Elisiária, o correspondente em português à madame Hyacinth Bucket (pronuncia-se bouquet) da serie "Keeping the Appearences" que a BBC criou anos mais tarde.
Em frente vivia o senhor Pompeu que era latoeiro. E bombeiro. Lado a lado com o senhor Manuel Luis, sapateiro e orgulhoso progenitor do Rui, guarda-redes, uma velha glória do Futebol Clube do Porto. Foi o meu sapateiro até ao dia em que me aconselhou a mudar por já não ter a destreza de outrora. Trabalhava com o radio ligado e tinha cartazes do F.C.P. nas paredes. E quando as mãos lhe começaram a tremer, pedia-me que o ajudasse a abrir buracos com o berbequim nos saltos dos sapatos das senhoras para encaixar as capas.
E lembro-me vagamente do sr Oliveira que tinha um Opel dos anos quarenta onde se passeava ao Domingo com a dona Ermelinda. E do portão da casa deles que tinha um arame que fazia tocar um sino.
E da senhora Alzira Coleta, e da dona Angela, e do senhor David, e da Ti Sara, e do senhor José Adelino, e da dona Isabel que também fazia anos no mesmo dia que eu (e que também nunca se esquecia) e da Cilinha que era professora e casou (muito) tardiamente com o senhor doutor que tinha um Volvo amarelo e era surdo.
A minha rua sempre teve velhos e quase sempre velhos sentados à porta. O último foi o senhor Francisco que esteve muitos anos no Brasil e que me cumprimentava sempre com um "Oi, tudo jóia?".
O senhor Francisco subiu ontem à noite e foi juntar-se à constelação da rua dos viscondes. Era tio do Zé Mota, grande amigo de infância que, tal como eu, teima em não arredar pé daqui.
Resta-nos a possibilidade de envelhecer: com ou sem cadeira à porta.