sexta-feira, 26 de novembro de 2010

da coerência


A fazer fé no editorial da revista Sábado desta semana, Jorge Sampaio terá passado os últimos anos em atroz agonia.

Aparentemente, a sua frase "há mais vida para além do défice", afinal não é sua.
Ainda segundo a revista, este jargão, utilizado à exaustão sempre que tal foi útil para incomodar primeiro o governo PSD e depois para apoucar Manuela Ferreira Leite de cada vez que abria a boca para dizer evidências, este grito de alerta que todos juravam ser da autoria de Jorge Sampaio, foi vilmente manipulado com, sabe-se lá, que segundas intenções.
Incapaz de conter a raiva, o autor veio agora repor a verdade: onde se lê défice, deve ler-se orçamento.
Agora, precisamente agora que a tal frase vilmente truncada perdeu o seu préstimo. Agora que quem reconhece que há défice para além da vida, são precisamente os amigos de Jorge Sampaio e não os malvados dos gajos da direita.
Já quando fez cair o governo de Santana Lopes (mau, mas suportado por uma maioria legítima) tinha demonstrado que veste efectivamente a camisola. Agora bisa.
Um homem coerente.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

da reorganização da coisa


Se na Grécia Clássica já existissem microfones, a democracia não teria sido inventada.
Aquele que foi considerado por Winston Churchill o "menos mau" dos métodos de governo, começou por ser um simples meio de comunicação: dizia-se algo a uns poucos, representantes de uns muitos e a mensagem chegava a todos.
Em 25 de Novembro de 1975, foi reposta em Portugal uma certa normalidade institucional, pilar fundamental do funcionamento de uma democracia.
Se hoje devemos muito a quem fez o 25 de Abril, não deveremos menos a quem saiu à rua um ano e meio depois.
Felizmente vivemos num estado democrático, pluralista e moderno que permite igual tom de voz a quem gosta e a quem contesta.
Eu defendo que existem razões equivalentes para lermos nos manuais de História as datas de 25 de Abril de 1974 e de 25 de Novembro de 1975.
Os apaniguados de uma certa esquerda que são iguais aos apaniguados de uma certa direita, defendem o contrário.
O sistema "menos mau" disse Churchill que consta da História como tendo sido um homem inteligente.

sábado, 20 de novembro de 2010

da Excelentíssima razão



As duas fotos apresentadas acima fazem parte de duas cidades europeias distintas: uma foi tirada no Cais dos Botirões em Aveiro e a outra em Burano, uma ilha encostada a Veneza.
Por alguma razão alguém alguma vez disse que Aveiro é a Veneza portuguesa e estas fotos apenas confirmam essa parecença.
Hoje, e porque todos os dias devemos aprender uma coisa nova, aprendi a razão pela qual os habitantes deste bairro de pescadores de Burano pintam as casas com tons berrantes e, mais importante, pintam-nas todas de cores diferentes.
Os habitantes deste bairro têm a fama e, espero, o proveito de apanhar carraspanas de contornos bíblicos.
As cores berrantes e diferenciadas têm o superior objectivo de os encaminhar sãos e salvos até casa. Cada um tem apenas que decorar a cor do seu lar doce lar e afastar-se da borda do passeio pois as estradas em Veneza são mais mortíferas que no resto do mundo.
No que respeita a Aveiro, pressinto que as pintam deste modo porque sim...

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

da Formosura



Não tenho por que negar. A ideia foi efectivamente minha e na altura até me pareceu uma excelente ideia.
Só pedi ajuda para a marcação da coisa porque a sorte me tem permitido não ter necessidade de saber mexer-me dentro dos Hospitais da Universidade de Coimbra.
Munido da competente documentação, rumei à consulta de controlo da obesidade.
Piso seis, endocrinologia, controlo da diabetes.
Aparentemente, por um provável erro de casting, ou talvez não, a primeira abordagem que me foi feita foi precisamente essa: "O senhor é aquilo que nós consideramos um pré-diabético e como tal vai imediatamente falar com uma nutricionista. Entretanto vou pedir-lhe que faça este exame para despistarmos qualquer problema de tiróide. Quando cá voltar para a consulta de controlo de obesidade daqui a quinze dias, espero que mais magro, não se esqueça de trazer o resultado do exame".
Isto foi há três semanas.
Na terça-feira apresentei-me, aí sim, para a consulta de controlo de obesidade. O resultado do exame da tiroide em envelope fechado e pouquíssima motivação.
Mandaram-me esperar na "sala".
A "sala" era um amontoado de gordos e gordas. Um ambiente pesado, no sentido figurado e também no sentido literal. Egos cabisbaixos de quem se prepara para se tentar despedir dos quilos, das banhocas, dos pneus, amigos dedicados de tantos anos, partes de nós que cresceram connosco...
Ninguém diria que ali se encontravam pessoas em busca de uma vida mais saudável. Se era a cura que por ali se buscava, não parecia que a cura fosse a cura para o nosso mal.
Nada disto batia certo com as imagens dos programas do Dr. Oz onde americanos com trezentos quilos emagrecem ao som das músicas da Olivia Newton-John.
Por ali havia tristeza.
Do sítio onde me encontrava, podia ver o interior da recepção. Por cima do ecran do computador, alguém colocou uma imagem do Brad Pitt - provavelmente para a funcionária poder lavar os olhos do drama que se desenrola à sua volta.
Senti-me patético ao imaginar a rotina da funcionária: dois gordos deprimidos, uma olhadela ao Brad Pitt, mais dois gordos contrariados, mais um Brad Pitt.
Apoderou-se de mim tal angústia que não aguentei: cobardemente, abri o envelope do exame à tiroide, vi que não tinha nenhum problema e, demonstrando uma enorme falta de respeito por quem me tinha arranjado a consulta, fugi...
Não tenho desculpas: estou de novo por minha conta.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

da Macroeconomia das perguntas de algibeira


Aparentemente, Timor Leste voluntariou-se para comprar dívida pública portuguesa.
A história recente de Timor Leste leva-nos a presumir que este jovem país deve dinheiro a Deus e a todo mundo.
A ser verdade, será que no meio das dívidas não haverá nenhuma a Portugal?
É que se houvesse, sempre se poderia fazer um encontro de contas. Pelos menos os juros já não deveriam ser tão altos.

da ecologia


Ser ecológico é cool.
Já comecei a trocar as lâmpadas, mas a mais de nove euros cada uma, será um processo relativamente lento.
Hoje comprei uma garrafa SIGG que é uma coisa que qualquer ecológico que se preze deve ter.
Ser ecológico é realmente cool, mas fica carote!

domingo, 14 de novembro de 2010

do Amor



Preparei uma infusão de cidreira com mel, umas bolachinhas e recostei-me.
Uma hora e quarenta e três minutos muito bem passados.
"New York I love you" não é um filme excepcional, mas é um filme ternurento. Fala de amor, de amores para ser mais preciso, de relações, de contactos.
Um filme que fala da vida.
São onze estórias que se tocam, algumas chegam a cruzar-se, a entrecortar-se. Há personagens que saltam de uma para outra...
Cada estória foi escrita e realizada por uma pessoa diferente e todas elas são servidas por actores de grande qualidade. Alguns, famosos!
Pelo que me apercebi, o filme não teve grande divulgação por cá. Pareceu-me à primeira vista mais uma abordagem da produção mainstream ao cinema "Indie", muito na onda do "Away we go", filme simples mas fabuloso de Sam Mendes.
Eu gostei bastante de "New York I love you".
E recomendo.
Com chá e bolachinhas e a mantinha sobre os joelhos.

sábado, 13 de novembro de 2010

We have all the time in the world



Um grande tema de um grande filme.
Provavelmente o Bond com o melhor argumento.
Provavelmente o Bond mais injustiçado.

domingo, 7 de novembro de 2010

do MK2

"Alguém se lembra do que usavam os DJ's antes do 1200? Ninguém!"

A mais importante peça de difusão musical dos últimos trinta e tal anos vai ser descontinuada.
Em Portugal ficou conhecido por MK2, mas o seu nome completo é Technics SL-1200 MK2 e nasceu em 1978 como salto evolutivo do original SL-1200 de 1972.
Trata-se de um prato gira-discos profissional de alta performance que equipou as bancadas de trabalho da esmagadora maioria dos Dj's e radialistas praticamente desde o dia em que nasceu.
A Panasonic, detentora da marca Technics, anunciou agora que a MK2 (que entretanto já é MK6) vai ser descontinuada.
Aparentemente a robustez do aparelho é tal que, aliada à diminuição da procura, permite que o mercado de pratos usados sustente essa mesma procura indefinidamente.
A qualidade tem destas coisas. Ouvi em tempos a mesma justificação para as máquinas de escalar bacalhau para secar: as que existem são tão fiáveis que sobreviverão à extinção do próprio bacalhau.
Eis como um dos pontos mais positivos de um aparelho pode ditar o seu fim.
O mundo anda estranho.

sábado, 6 de novembro de 2010

do Senso Comum



(Recebi este texto por mail, enviado pelo meu amigo Jorge Costa e publico-o no original por uma questão de respeito. Escusado será dizer que me revejo na totalidade dos pontos de vista expressos.)


"An Obituary printed in the London Times - Interesting and sadly rather true.

Today we mourn the passing of a beloved old friend, Common Sense, who has been with us for many years. No one knows for sure how old he was, since his birth records were long ago lost in bureaucratic red tape. He will be remembered as having cultivated such valuable lessons as:

- Knowing when to come in out of the rain;
- Why the early bird gets the worm;
- Life isn't always fair;
- and maybe it was my fault.

Common Sense lived by simple, sound financial policies (don't spend more than you can earn) and reliable strategies (adults, not children, are in charge).

His health began to deteriorate rapidly when well-intentioned but overbearing regulations were set in place. Reports of a 6-year-old boy charged with sexual harassment for kissing a classmate; teens suspended from school for using mouthwash after lunch; and a teacher fired for reprimanding an unruly student, only worsened his condition.

Common Sense lost ground when parents attacked teachers for doing the job that they themselves had failed to do in disciplining their unruly children.

It declined even further when schools were required to get parental consent to administer sun lotion or an aspirin to a student; but could not inform parents when a student became pregnant and wanted to have an abortion..

Common Sense lost the will to live as the churches became businesses; and criminals received better treatment than their victims.

Common Sense took a beating when you couldn't defend yourself from a burglar in your own home and the burglar could sue you for assault.

Common Sense finally gave up the will to live, after a woman failed to realize that a steaming cup of coffee was hot. She spilled a little in her lap, and was promptly awarded a huge settlement.

Common Sense was preceded in death, by his parents, Truth and Trust, by his wife, Discretion, by his daughter, Responsibility, and by his son, Reason.

He is survived by his 4 stepbrothers;

I Know My Rights
I Want It Now
Someone Else Is To Blame
I'm A Victim

Not many attended his funeral because so few realized he was gone. If you still remember him, pass this on. If not, join the majority and do nothing."

das mãos do Wim Mertens


Foi há muitos anos, mas lembro-me como se tivesse sido ontem.
Para definir dramatismo, um livro mostrava uma fotografia das mãos de José Vianna da Motta sobre o teclado de um piano.
Era uma imagem brutal. Uma imagem que se me pespegou à alma e que ainda hoje mantenho nítida. E era realmente uma imagem que transmitia dramatismo.
Eram ossudas, secas, fortes, vibrantes...
Hoje vi as mãos de Wim Mertens.
Vi-as a trabalhar e vi-as a descansar.
Vi-as de modo tão próximo que no sítio onde me encontrava conseguia ver que ninguém se deu ao trabalho de limpar do Steinway & Sons as impressões digitais de quem empurrou o piano para o meio do palco.
E as mãos de Wim Mertens, embora virtuosas, não são dramáticas.
São flexíveis, dançarinas, mimosas...
Pareceram-me, e eu vi-as quase de perto, pouco assertivas.
A correr desprendidas e despreocupadas por cima das teclas como se lá tivessem nascido.
Serão assim todas as mãos minimalistas?
Ou serão só as dele?
Pareceram-me, de tão ternas, quase femininas.
E havia também uma Tatiana que tocava violino... e muito bem!
Quer dizer, acho que era Tatiana porque ninguém compreende muito bem o que o Wim Mertens diz (consta que fala na mesma língua com que canta).
Logo, não tenho a certeza do nome da moça.
Certeza tenho de uma coisa completamente diferente: o forte da Pousadinha não é o bolo-rei!
E o concerto?
O concerto...  era do Wim Mertens, porra!

terça-feira, 2 de novembro de 2010

da tristeza



A nossa vida é uma coisa complexa que por vezes parece ter vida própria. Mesmo sem nenhum esforço da nossa parte, encarrega-se de nos proporcionar momentos tristes e alegres.
Depois nós encarregamo-nos de arranjar os outros que ficam pelo meio: tristes, alegres e assim assim.
Temos o hábito arrogante de achar que se deve dar mais valor aos momentos alegres que aos tristes e eu sinceramente acho isso muito feio. Acho que cada um deve dar-se ao trabalho de se adaptar como queira à vida que lhe calhou em sorte.
Tristeza e alegria não deveriam ter peso na conta-corrente da felicidade. Há pessoas tristes que são felizes. Dá vontade de acrescentar "felizes à sua maneira" mas isso é também uma atitude arrogante: todas as pessoas são felizes ou infelizes à sua maneira porque não há formulas para se ser feliz ou infeliz.
Para quem, como eu, não perde tempo a tentar adivinhar se existe ou não vida depois da morte, hoje é um dia triste.
Não é um dia infeliz, é um dia assumidamente triste. 
Independentemente de todos os dias podermos ter momentos em que nos lembramos dos que tiveram importância na nossa vida e que já nos deixaram, é simpático que alguém tenha instituído um dia inteirinho para isso.
Hoje corri a lista completa e realmente fiquei triste. Fiquei triste por mim e por eles que já não podem usufruir da maravilha que é estar vivo. Aliás, fiquei triste apenas por eles - devo-lhes isso.  
Tudo o resto se esbate perante a grandeza desta brutal verdade e só nos resta ficarmos tristes.
Despudoradamente tristes.
Libertariamente tristes.
E felizes por ainda nos ser concedida a capacidade de podermos ficar tristes.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

da prateleira dos Eleitos


Há mais de vinte anos que tenho uma rotina que, quase garanto, nunca quebrei: a leitura do Conto de Natal do Dickens quando se aproxima a época.
Faltam dois meses para o Natal e esta conversa só não vem a despropósito porque serve para justificar o que se segue.
Por falta de oportunidade, por preguiça ou por simples desleixo, ainda não se me tinha proporcionado a vontade de ver o filme A Christmas Carol  da Disney de 2009.
Foi hoje.
E agora a razão da conversa introdutória.
Porque sou apaixonado pela obra, tenho, para além de várias edições do livro algumas versões do filme. As que não tenho, pelo menos já vi e penso que as terei visto praticamente todas.
Desde as versões antigas (inglesas) a preto e branco, aos musicais, às animações do Mickey e do Mr Magoo, aos Marretas + Michael Caine (fabuloso), às versões "sérias" com Patrick Stewart ou George C. Scott, ou até ao alucinante Scrooged, tudo já vi e aplaudi.
Hoje foi-me apresentado um belíssimo espectáculo de cinema pela mão de Robert Zemeckis (Back to the Future e Polar Express) e do palerma do Jim Carrey que só consigo aturar neste tipo de trabalhos.
Pareceu-me a versão mais fiel ao escrito original, a mais atenta aos pormenores da escrita de Dickens, a que menos concessões fez ao público.
Mais um filme a juntar aos eleitos para (re)ver na época própria, à lareira, com a mantinha nos joelhos e o chocolate fumegante aconchegado entre as mãos.