segunda-feira, 25 de março de 2013

Diminuir a bitola...


Comuniquei ontem à família e passo agora a oficializar.
Deixei de fumar.
Estou aos poucos a tornar-me um homem grande, responsável, se for preferível o epíteto.
Vou guardar religiosamente o "humidor" com os charutos que me restam, mimá-los, mudar-lhes a água, controlar-lhes a humidade de modo a que durem tanto como eu, pelo menos. Devo-lhes esse respeito. É sabido que um charuto, desde que devidamente mantido, pode durar décadas.
Se o meu filho um dia decidir fumar charutos, deixo-lhe em tabaco um pequeno legado que já hoje vale umas largas dezenas de euros, talvez centenas.
Nunca fui viciado. Fumei sempre por prazer e tirei prazer da esmagadora maioria dos charutos que fumei na vida.
Sem premeditação, acabei por me aperceber que, de forma natural, comecei a fumar cada vez mais espaçadamente.
Um charuto é, mais que um prazer, uma experiência sensorial. Um gozo intelectual.
Fumei-os sempre a valerem por si só e por si só valeram tudo o que esperei que me proporcionassem.
"O excesso de gozo é dor" disse um dia Barbosa du Bocage e por aí me encaminhava.
Hoje, fumar um charuto apressa-me o batimento cardíaco, provoca-me desconforto no estômago, aumenta-me de imediato a tensão arterial e, mesmo que seja fumado de manhã, diminui-me a qualidade do sono. Até o sabor na boca na manhã seguinte incomoda mais que antes.
O incómodo começa a atingir o mesmo patamar do prazer e não me posso permitir que isso aconteça ou, parafraseando o grande Keith Floyd, "I'm sick and tired of waking up sick and tired."
Vou fechando algumas alas do castelo para que as outras possam manter-se em melhor estado.
Estou a envelhecer e sinto-me perfeitamente confortável com isso.
Fumei um bom punhado de marcas e, porque tenho que ser criterioso, um grande bem-haja ao sr Alexandre Dumas que escreveu o Conde de Montecristo, ao som da leitura do qual foram enrolados os mais fantásticos charutos que tive o prazer de fumar, um aceno de saudade a William Shakespeare por ter emprestado o nome da sua mais afamada história de amor aos charutos mais elegantes que fumei, uma vénia aos irmãos Quintero que me permitiram fumar tabaco cubano a preços menos escandalosos e um muito especial agradecimento à minha mulher que me ofereceu, se não todos, praticamente todos os Cohibas que com subida honra acendi.
Agora, em frente, que atrás vem gente...
   

domingo, 17 de março de 2013

da Superação



Ouvi hoje uma história de amor a uma causa, de abnegação, de superação, de transcendência, enfim, de puro altruísmo.
Foi-me contada na segunda pessoa, mas tive o prazer de momentos antes ter conhecido o protagonista.
Um treinador de uma modalidade individual amadora de desporto olímpico, agarrou uma atleta grande do nosso país pouco tempo depois do seu treinador ter morrido.
Criou os laços comuns que quem já viu o lado mais pessoal dos atletas sabe que existem, cimentou esses laços e preparou-se para qualificar a atleta para uma olimpíada.
Nesse interim, sofre um acidente de mota que lhe deixa uma das pernas bastante danificada e a necessitar de várias cirurgias para poder um dia voltar à sua função.
Entre o processo de recuperação e o acompanhamento da sua pupila, opta pelo segundo cenário e entrega-se, com grande esforço pessoal e em provado sofrimento ao seu objectivo.
A atleta qualifica-se para a olimpiada e o treinador atrasa mais uma vez as suas cirurgias. Desloca-se de muletas e tudo indica que tem dores.
Dois dias antes de uma das provas, morre-lhe a mãe, desloca-se a Portugal para o funeral, não sem antes prometer à sua pupila, ainda uma menina, que lá estará para a apoiar e para garantir que todo o trabalho anterior não terá sido em vão.
E no dia da prova ei-lo no seu local de trabalho.
Finda a olimpiada, não me interessou saber se houve ou não medalha, penso que sim, regressa a casa e começa o seu calvário.
A sua decisão de adiar a cirurgia deixou-lhe a perna mais curta e inicia um lento e penoso processo de estiramento dos músculos de forma mecânica e gradual. É-lhe implantado um aparato metálico que substitui temporariamente o osso esmagado e que estabiliza o membro.
Hoje continua de muletas e, embora já não seja treinador e esteja de baixa enquanto seleccionador da modalidade, acompanha as provas que se realizam. Coube a sorte a Coimbra este fim de semana.
Falta-lhe mais uma bateria de cirurgias, entre elas a de remoção do tal aparato de ferro que levará ao corte de um tendão que, caso não corra como previsto, lhe tirará de vez a possibilidade de voltar a andar normalmente. 
Tudo por amor à sua arte.
Avassalador.