terça-feira, 29 de março de 2011

da Glória, da sabedoria, ou apenas da diferença entre um canastrão e um Senhor


Chama-se Morning Glory.
Chega.
Nem me dei ao trabalho de saber o nome em português. Tem a Diane Keaton que conseguiu a extraordinária proeza de envelhecer até aos, digamos, cinquenta e cinco anos e congelar-se por lá. Há mais de dez anos que a Diane Keaton não envelhece. Deve ser o Ioga ou o Reiki ou qualquer outra porcaria obscura que trouxe da India ou do Bangladesh.
Está um mimo.
Um mimo ao natural, assinale-se.
Chama-se Morning Glory, acho que já o disse e é um filme banal. Uma xaropada bem disposta igual a quarenta ou cinquenta que Hollywood fabrica por ano, com a história velha como o mundo do parzito que acaba por se entender, do universo que gira à volta do parzito. Já disse que o parzito acaba por se entender?
Já?
Bem me parecia!
Às vezes demora e tem pelo meio um chefe ou um patrão ou um colega mais sacana. Não raro uma trama qualquer com malentendidos, invejas (ou não), contratempos vários e desencontros ou azares ou maldade mesmo.
Depois há o Harrison Ford.
E aí tudo muda.
Não torna o filme melhor, não senhor.
Não é denso, não é épico, não é aventureiro. É um velho sacana, mal disposto, rabugento, ressabiado e sarcástico.
Mas é um Senhor.
Harrison Ford é um Senhor e é um privilégio absorvê-lo.
Não melhora o filme: voa sobre o filme.
Marlon Brando fez isso no Padrinho, apenas com a enorme diferença de que aí estávamos perante um grande filme. 
Este Morning Glory é apenas uma soap opera com um episódio.
E depois há o Harrison Ford que em dez minutos de génio natural consegue obrigar a ver o resto filme. 

sábado, 26 de março de 2011

do fumo



Esta semana, Alberto Gonçalves fala de tabaco na Sábado.
Eu fumo charutos praticamente desde que me casei, vai para catorze anos. Não teve a ver com o casamento, apenas com a minha saída de casa: o meu irmão, ainda hoje quando visita a minha mãe, não fuma dentro de casa. Uma coisa chamada respeito, que caiu em desuso mas que há quem ainda cultive.
Durante a sua vida, o meu pai fumou esporádicamente charutos, cachimbo e cigarrilhas. Herdei-lhe duas características nesse campo: nunca cedeu ao vício e tinha sempre uma lata de cigarrilhas no carro. Ele Café Creme, eu mini Montecristo (sinal dos tempos ou das disponibilidades financeiras ou da vaidade).
Sempre me inebriou o aroma do tabaco, mas tirando uma época breve em que fumei Português Suave sem filtro enquanto estudei no Porto, nunca me rendi aos cigarros.
Em contrapartida o cachimbo (que experimentei e abandonei por simplesmente não saber fumar) e os charutos, exercem sobre mim um fascínio que ultrapassa os limites do sensato. Quando trabalhei no Palace do Bussaco, ficava com as caixas vazias de cedro dos Montecristos apenas para poder inalar aqueles aromas - durante anos guardei todas as caixas de charutos que fumei.
Um dia decidi-me. 
E à bruta!
Comprei uma caixa de Romeo e Julieta tubos em Espanha: experimentei o primeiro após uma jantarada farta e opulenta e consegui fumar metade. É uma bitola excessiva para iniciados: um charuto para Homens. Mas nem correu mal. Alguns dias passados, fumei outro...
Semanas depois fui convidado para um almoço volante na Escola de Hotelaria de Coimbra, comi pouquito porque simplesmente abomino comer com o prato na mão e no final sentei-me no bar para um café e dois dedos de conversa com o meu amigo Jorge Costa, à época ainda director da instituição. Acendi um charuto e comecei o ritual: apanhei aquela que se pode apelidar como a mãe de todas as pedradas. Levantei-me o mais discretamente que pude, fui à casa de banho, lancei o parco almoço às águas do Mondego, saí tão discretamente quanto as circunstâncias me permitiram, encostei o carro no parque de estacionamento do Coimbra Shopping, abri as janelas e dormi toda a santa tarde.
Durante quase meio ano não voltei a tocar em charutos.
Um belo dia recomecei. Fiz alguma pesquisa, comprei bitolas e marcas mais suaves (a Elsa ofereceu-me um belíssimo "humidor"), iniciei-me nos fabulosos Fonsecas (embrulhados em delicioso papel de seda), pelo meio meti uns Montecristos nº4, uns panetelas Avo ou Davidoff para contrabalançar, uns puritos H Upmann e alguns produtos da Fábrica de Tabacos Estrela que produz em Ponta Delgada alguns dos melhores Puros que se enrolam na Europa: Beldina, Coroa, Meia Coroa e Coroa Real. E comprei um isqueiro Dupont próprio para o efeito que por acaso saltou de avaria em avaria até morrer ingloriamente dentro de uma chávena de café.
Ah! E uns Cohibas: de Siglos vários ou Exquisitos, excessivamente caros para o prazer que proprocionam.
Durante alguns anos rotinei: um Quintero depois do almoço em passeio pela Baixa de Coimbra ou um Meia Coroa no gabinete no hotel até ser proibido. 
Hoje, e porque me provoca arritmias, moderei. Em média um Quintero por semana e nas grandes ocasiões um Montecristo nº4. No carro continua a caixa das cigarrilhas Montecristo, intocável desde que lá foi plantada.
Apenas pelo prazer, guardo em stock no "humidor" robustos Cohiba, Montecristos A, Montecristos nº2 e mais umas coisas avulsas. É a minha caixa das joias.
Nunca me deixei vencer pelo vício. Diminuí e algumas vezes parei e nunca senti mais que saudade. 
Fumo por puro deleite e conforme consegui antever (na época nunca tinha fumado) numa crónica que um dia escrevi no extinto "Jornal de Coimbra" do meu amigo Jorge Castilho, deixei de os invejar tão somente porque hoje sou um daqueles privilegiados que conseguem "extrair prazeres supremos de coisas tão simples como admirar espirais de fumo".     

terça-feira, 22 de março de 2011

da partida

(Viveu, sem interrupções, do dia de Natal de 1920 até hoje)

Um a um, vão indo.
E a seguir iremos nós e depois quem de nós bebeu.
Todos deixamos uma marca.
E para alguém seremos, mais que saudade, dor e perda.
Tudo se compõe e tudo segue.
A cada um que parte, roubámos um pedacinho.
E ficámos mais ricos.
O mundo é que fica, sem dúvida, mais pobre.

sexta-feira, 11 de março de 2011

do fiel e estaladiço Amigo

(Assumo que não pedi autorização para usar a imagem, mas julgo que é por uma boa causa. Assim o julguem os detentores da mesma, espero.)

Não me recordo das exactas palavras que usei na altura, mas constam de uma acta da Assembleia Municipal da Mealhada,  de data que também não consigo precisar.
À época eu era membro da Assembleia e posso apenas garantir que foi no mandato anterior ao actual.
E as palavras quiseram tão somente expressar o meu apreço pessoal pelo projecto "As Quatro Maravilhas da Mesa da Mealhada".
Achava eu na altura que se tratava de uma ideia com pés e cabeça, de um projecto que reunia todos os quesitos para ser um sucesso. Os ingredientes estavam lá (e de altíssima qualidade) e a confecção ameaçava cumprir o prometido: promover produtos de excelência, mas acima de tudo promover o seu consumo no local de origem e garantir a qualidade dos mesmos.
Anos volvidos, é inegável que o projecto continua de pé.
Se concordo com o rumo ou não, se faria igual ou diferente, se faria mais ou menos, é algo que guardarei para mim pois não é isso que me traz ao tema.
E para introduzir o tema, há que criar a polémica.
De facto, dos quatro produtos que compõem a sigla "Quatro Maravilhas", apenas o pão pode com propriedade reclamar para si o epíteto de "da Mealhada". O vinho é "da Bairrada", a água é "do Luso" e o leitão é assado "à Moda da Bairrada". 
O concelho da Mealhada tem realmente o privilégio de poder de forma única congregar estes quatro produtos de excelência. Deve servir-se da qualidade que lhes incorpora em proveito próprio, mas não deve distorcer os factos.
Há Bairrada para além da Mealhada.
Por muito que se queira batalhar nesse sentido, não existe nenhum produto chamado "Leitão assado à Moda da Mealhada" e mesmo que se conseguisse provar a paternidade da iguaria (facto que me deixaria tremendamente satisfeito por causa de histórias antigas, mas altamente improvável), mesmo assim, muito dificilmente se conseguiria trocar Bairrada por Mealhada. 
Não é necessário forçar a tecla: as coisas acontecem naturalmente.
A Confraria dos Enófilos da Bairrada promove os seus capítulos onde? Na Mealhada. Naquele que não é, garantidamente, o concelho bairradino onde mais vinho se produz.
A Confraria Gastronómica do Leitão da Bairrada, reconhece a Mealhada como capital do leitão e fá-lo naturalmente: já ouvi a expressão directamente da boca de António Duque e li-a ontem num dos nossos jornais, prafraseando-o. Outra coisa não seria de esperar: a Mealhada é o local do mundo onde se confecciona o mais afamado Leitão Assado à Moda da Bairrada. Para mim, o melhor.
Passemos dos factos reais à realidade dos factos.
Se esta coisa das sete maravilhas da gastronomia é importante? É-o tanto como foram as sete maravilhas naturais. Tão importante que desafio quem quer que seja a enumerá-las (as naturais) sem recorrer ao Google.
Vale o que vale e mais não julgo necessário acrescentar.  
Mas apostar na candidatura de um produto "postiço" e ainda por cima contar com a concorrência de dois putativos irmãos na mesma categoria é, não vou exagerar, arriscado. 
Para este fim específico, o termo Bairrada tem mais notoriedade que o termo Mealhada.
A Mealhada não sai mínimamente beliscada se candidatar o leitão em saudável conlúio com as outras entidades bairradinas que o queiram fazer: se o leitão da Bairrada perder é uma imensa injustiça, mas se ganhar será a Mealhada, sem dúvida, a maior beneficiada. 
Reduzir um tema desta grandeza a uma luta política como já li chamarem-lhe ou a uma comparação de egos ou de actividades confrádicas é francamente pouco.
E pobre.
E que alguém se decida de uma vez por todas a criar uma confraria que ostente o nome Quatro Maravilhas da Mesa da Mealhada no capote.
Mas uma confraria a sério: daquelas que se mexem.    
 

sexta-feira, 4 de março de 2011

do Fialho

(Vila de Frades, 7 de Maio de 1857 — Cuba, 4 de Março de 1911)

“Uma composição culinária, característica, inconfundível. Transmite-se por tradição: os estrangeiros não sabem confeccioná-lo, mesmo naturalizados: tendo chegado até nós por processos lentos, e contraprovas de biliões de experimentadores, sucessivamente interessados em o fixar de forma irrepreensível, resulta ser ele sempre uma coisa eminentemente sápida e sadia. Isto o distingue dos pratos “compostos”, quero dizer daquelas mixórdias de comestíveis e temperos, doseados a poder de balança, exclusivamente científicas, nada intuitivas e meramente inventadas.

O prato nacional é como o romanceiro nacional, um produto do génio colectivo: ninguém o inventou e inventaram-no todos: vem-se ao mundo ido por ele, e quando se deixa a pátria, antes de pai e mãe, é a primeira coisa que se lembra.
Em Portugal não há província, distrito, terra, que não registe entre os monumentos locais, a especialidade de um petisco raro, sábio, fino, verdadeira sinfonia de sabores sempre sublime."

Fialho de Almeida