Não temos como ressarcir os povos cujos países ocupámos.
O passado é para assumir e analisar, mas nada o pode mudar.
Já no que respeita à devolução do que pode ser devolvido, isso pode ser feito e se do acto resultar alguma mitigação, melhor, mas pode e deve ser feito porque pertence à História desses países e mesmo que conjunturalmente tenho pertencido também à nossa História, deve descansar no local de origem.
Pelo que tenho lido, Portugal está a fazer um levantamento do património trazido das ex-colónias com o objectivo de, primeiro, o conhecer e, depois, espera-se, auscultar os países de onde foi trazido no sentido de saber se pretendem a devolução para enriquecerem o seu espólio, se pretendem que fique onde está para documentar a História.
É um enorme passo de reconhecimento.
Uma planta pode ser mantida eternamente num vaso, mas o seu lugar natural é a terra, o campo. Não fica menos bonita no vaso, mas a terra que a sustém não pertence ao vaso - foi lá colocada.
A vida dos povos faz-se sempre no presente, mas usa o passado como a maneira mais natural de garantir a cabeça erguida e de evitar, embora isso nem sempre aconteça, repetir erros e omissões. É esse o papel da memória e a História, a dos actos e a das obras, não é mais que a terra que mantém vivas as raízes.
O lado bom do passado é que nos deixa sempre aberta a possibilidade de o repetirmos ou não consoante nos seja mais útil, mas para isso temos que fazer uso dos seus ensinamentos - jamais o esconder ou adaptar.
domingo, 28 de abril de 2024
da Koisa que nos faz olhar para trás e ver
quinta-feira, 25 de abril de 2024
do eterno encanto da França e do Gosto que dela se enamorou.
O filme começa e, durante dezassete deliciosos minutos, só se ouve a cozinha. Sim. Podemos fechar os olhos e perceber, para quem ainda não percebeu, o porquê da cozinha francesa ser a mais requintada, completa, icónica, e ritualizada de todas as cozinhas do mundo delicioso.
Numa cadência vagarosa, sincopada, ritmada pelo entrechocar dos tachos e pelo crepitar dos vários calores, o milagre dá-se ali, diante dos nossos olhos que, à falta de melhor, adivinham os aromas e as consistências.
Um ritual de elegância, fogo, gelo, vida e morte em nome da vida e do prazer, do supremo prazer do usufruto.
Parei, sem fôlego, o filme que a França vai levar aos óscares no próximo ano, para vir aqui escrever o post.
Continua...
18262,5
segunda-feira, 22 de abril de 2024
da Portugalidade que se encontra em praticamente todo o lado
Durante a Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido não racionou bacalhau fresco para que nunca faltasse Fish and Chips aos ingleses. Esta medida não foi tomada apenas porque é um prato barato e popular, mas essencialmente porque a sua ausência poderia ter resultados catastróficos na moral da população.
Por aqui se vê a importância da coisa.
O prato, que ganhou fama no sec XIX, é composto por batatas "Ponte Nova" (de Pont Neuf, a ponte mais antiga de Paris, local onde se vendiam) e bacalhau fresco passado por polme e frito, "Fried Fish, Jewish Style", um prato levado para o Reino Unido no sec XVI pelos judeus sefarditas portugueses, que a Santa Inquisição fez o favor de correr daqui para fora, num momento da nossa História que ainda hoje nos deve envergonhar e fazer torcer a orelha.
Além do chá e da compota de laranja, também fomos nós que ensinámos os ingleses a comer com as mãos.
domingo, 21 de abril de 2024
da Luz
Forget your perfect offering
There is a crack, a crack in everything
That's how the light gets in"
Este ano é um ano tão bom como outro qualquer, mas em melhor, para se começar a olhar a História dos nossos últimos cem anos e para a explicar aos mais novos.
É verdade que há quinhentos e picos anos fomos donos do mundo, que construíamos os melhores barcos que o dinheiro pode comprar e que fomos, em grande parte, responsáveis pelo que hoje se chama globalização.
Mas isso ensina-se num ano lectivo e não existe o perigo de voltar para nos assombrar a vida ou para a tornar melhor.
Já o obscurantismo de praticamente metade do século vinte, a ditadura que ainda hoje nos faz olhar por cima do ombro, o nosso tão característico olhar de baixo para cima perante o poder, a resiliência conformada aos tropeções da vida e o fado, o destino colado ao coração, isso, sente-se a cada dia que passa, pode facilmente voltar e não sei se teremos forças para evitar que se instale.
Os novos têm que saber o que é não ter liberdade de expressão, têm que perceber que os bufos não eram apenas queixinhas. Têm que saber que antes de setenta e quatro também havia corrupção, que já havia fake news e que era perigosa qualquer tentativa de as corrigir, que a narrativa nos espezinhou ao ponto de acharmos que pobreza e humildade eram sinónimos e que decência era um atributo de quem cumpria os mandamentos e as obrigações.
A liberdade permite que tudo se possa experimentar e a democracia, por definição, não fecha portas - só a consciência, o conhecimento e o espírito crítico consegue destrinçar o que é daninho do que é são.
E sem conhecimento, o espírito crítico é pífio. Mais vale não ser.
O ensino da História contemporânea, sem artefactos nem ideologias, sem deve nem haver, limpa, factual, é uma obrigação da sociedade para com as novas gerações.
Estamos a falhar.
Se, de surpresa, se entregasse uma folha de papel a todos os jovens com, digamos, dezasseis anos, e lhe fosse pedido que enquadrassem num ensaio o contexto da ditadura e os acontecimentos de setenta e quatro, temo que o resultado fosse desastroso.
Quem não conhece o mal, convive com ele e deixa-o crescer.
sábado, 20 de abril de 2024
do Cubo elevado ao zero
Era só isto
do que fica Obsoleto se não nos empenharmos
Desenhei este cravo, agora mesmo, no Paint.
O Paint tem apenas menos onze anos que a nossa democracia. Faz em Novembro trinta e nove anos.
O Paint foi descontinuado porque ficou obsoleto. Não conseguiu acompanhar os tempos.
É assim a democracia. Se não for diariamente regada, fica obsoleta. Mas, ao contrário do Paint, e porque não temos nada melhor para a substituir, não pode ser descontinuada.
Não a podemos deixar ficar obsoleta.
Reguemos...
quinta-feira, 18 de abril de 2024
do Karaças e das idiossincrasias da vida dos simples
Hoje dei a última aula a uma turma e acabámos em amena cavaqueira a falar da vida e das profissões ligadas, no caso, à restauração.
Quem não gosta disto, é melhor pensar já em ver de vida por outro lado - abri as hostilidades - porque esta, vocês já se aperceberam, é uma área muito absorvente.
E pus-me a pensar.
Há casos em que o trabalho até nem é muito, mas a entrega nunca pode ser menos que intensa.
Em hotelaria, em restauração, os clientes, mesmo os menos exigentes, passam muito tempo connosco. Comparável com a nossa actividade, só os hospitais, mas até aí o objectivo não passa de manter o cliente vivo, enquanto que no nosso caso, tem que estar vivo, feliz e com vontade de voltar, algo que não me parece que aconteça nos hospitais.
Se estão a empurrar a vossa situação com a barriga, desenganem-se, o que têm hoje é o que vão ter no futuro, aqui já estava a falar novamente.
Eu neste momento estou a estudar, a estagiar e a trabalhar, tudo ao mesmo tempo. Saio de casa, o meu namorado fica a dormir, chego a casa e já está a dormir.
E um dia destes, não está lá. Aqui comentei eu, um pouco a despropósito.
Como é que com uma situação assim, posso pensar em ter filhos, em construir uma família? - e começou-lhe a bailar uma lágrima em cada olho.
Felizmente - atalhei - já há cada vez mais sítios que garantem horários seguidos e condições de trabalho bastante confortáveis, isso é uma realidade, mas a força, mesmo nesses casos continua a ter que se fazer para conseguir desligar. E tudo isso tem que ser equacionado antes de ferirmos alguém que tenha depositado a sua esperança no nosso futuro, em fazer parte dele - aqui já não me lembro se falei, se pensei.
A turma toda achegou-se e os exemplos saltaram que nem coelhos.
Não sei se este tipo de abordagem é o correcto para se ter numa escola, mas a verdade é que no final destes vinte minutos de coração esbragalado e conversa ao ritmo das emoções e do apalpanço ao deve e ao haver, houve quem saísse com mais certezas que as que tinha vinte minutos antes. A formação não pode ser apenas imersão nos conteúdos, tem que ser choque com as realidades.
Cada vez mais tem que ser choque com as realidades.
Formar jovens esclarecidos, profissionais mais robustos.
quarta-feira, 17 de abril de 2024
das Democracias assim assim
Algures na China, uma ditadura, uma estação homenageia o sofrimento das mulheres.
Em Portugal, uma democracia, fala-se no estatuto da dona de casa.
terça-feira, 16 de abril de 2024
do Pudor
Hoje caiu mais um(a).
Isto num Governo que tomou posse há dias e que veio substituir um outro onde caíram tantos que arrastaram o próprio executivo para o buraco.
Não chegámos ainda ao ponto de ser preciso andar com uma lanterna para encontrar gente honesta, felizmente, mas vivemos tempos em que quem é íntegro pensa dez vezes antes de se meter nos meandros da coisa pública.
Há muitos anos, um amigo disse-me que a política não é para meninos, mas ficou o mais importante por dizer: a política é o refúgio de muita gente com "g" pequeno.
Hoje caiu mais um(a).
Sem surpresa. Era um caso problemático ainda antes de ter subido ao poder. Não que se questione a presunção de inocência, jamais, mas é lícito perguntarmos se não seria exigível um pouco de recato, um pouco de respeito por quem a escolheu e, porque não pensar assim, um pouco de vergonha na cara. Afinal, o caso que envolve esta senhora já foi tema de conversa antes.
E porque o assunto cabe no título do post, agora cá pelo nosso burgo, recebemos hoje a informação de que não tem pés para andar (os juristas que ponham um nome na coisa) a caldeirada que foi montada ainda no anterior executivo com denúncias anónimas (há quem diga que não são assim tão anónimas) e pontapés na porta de gente que, provou-se hoje, estava inocente e foi enxovalhada durante o processo, tudo em nome da luta pelo poder.
Valia a pena pararmos para pensar.
Digo eu, que paro muito e penso cada vez menos...
da inSofisticação
Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada,
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada.Eu não tinha que ter esperanças — tinha só que ter rodas
A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco."
domingo, 14 de abril de 2024
do tempo das coboiadas modernas
do Nada
Hoje, menos, mas ainda vai estar.
Amanhã já vai parecer novamente Primavera.
Sempre houve dias de Verão enfiados no Inverno e dias de Inverno enfiados no Verão, mas isto é diferente. Isto cheira a fim do mundo. Isto não é uma massa de ar quente que estacionou à nossa porta, igual a tantas massas de ar quente, ou frio, que o fizeram antes. Isto mexe connosco de uma forma diferente, porque a ciência nos diz que isto é diferente e o nosso cérebro não nos deixa descansar quando o que está em jogo é o fim do mundo. O nosso, porque o mundo já está habituado a ter gelo e fogo e nuvens e água e silêncio e barulho e vento e plantas feias que não precisavam de ser bonitas e plantas que se fizeram bonitas para sobreviver.
Raio de metáfora, o fim do mundo, quando o mundo, queremos acreditar, somos nós.
Não somos.
Mas se não conseguimos interiorizar que antes de cada um nascer era um nada ainda mais nada que quem morre porque nem memória carrega, porquê achar que, sem cada um de nós, o todo é menos todo?
O verde da erva fica verde no tom que quer e as folhas, castanhas, quando lhes acaba a utilidade e isso é uma concessão à luz, isso é a vida a fazer o seu caminho, indiferente aos nossos remoques existenciais, demorando o seu tempo, o culto da indiferença que nos deixa tão incomodados.
Somos nada, mas esse nada é a nossa razão de existir.
sexta-feira, 12 de abril de 2024
da Distância
Há experiências imersivas que só conseguimos obter se criarmos distância.
Seja no tempo, seja no espaço, é muitas vezes a distância que deixa entrar a sensatez.
quinta-feira, 11 de abril de 2024
do SI
Em torno de SI
Metáfora do eu enquanto base do crescimento para o mundo.
Da simples rotina de absorver do outro
O cerne da autocomiseração.
(suspiro)
Nada de bom cresce onde a terra só é.
Sentir é ser em sofrimento,
Cru.
Tosco.
E o centro do SI é oco.
quarta-feira, 10 de abril de 2024
do Passado e do Futuro
domingo, 7 de abril de 2024
da Escrita
Tenho um frasco de tinta preta Quink, a tinta recomendada pela Parker, ainda antes das canetas de tinta permanente carregarem cartuchos, pequenas ampolas de tinta, a roçar a esferográfica, que pouparam tantos dedos azuis, eu sempre preferi pretos, a tanta gente.
Encher uma caneta não é um trabalho isento de perigos; se os preceitos não forem honrados, pode-se borrar a escrita e nem o mata-borrão conserta o que o descuido tece.
O que se escreveu à mão, não se corrige sem deixar mácula. Talvez por isso se pense mais diante de uma folha de papel que diante de um teclado que tudo permite, até o anonimato: a nossa letra fica irreconhecível fora do papel.
É uma questão de personalidade.
Debitar escrita cursiva fazendo correr um fio de tinta e construir mensagens estruturadas que secam ao ar e cravam de forma indelével a ligação directa entre o cérebro e a mão, é algo que não nos podemos dar ao luxo de abandonar. É um retrocesso.
A escrita fez-nos seres solidários, como o fogo nos fez seres inteligentes e robustos. Um método de comunicação sem palavras escritas, retrocedendo ao percurso que nos aqui trouxe ao usarmos emojis é enrolar a passadeira da civilização e desrespeitar tantos, todos quantos, década a década, nos transformaram em algo mais que aquilo que hoje se teima em querer que sejamos.
Somos escrita, fomos grafia, seremos pó, mas nenhum écran carrega, apesar da tecnologia que incorpora, tanta civilização como um documento escrito à mão.