quarta-feira, 22 de setembro de 2010

da Magnum


Uma fatia grande da piada da vida, reside nos excêntricos.
Embora com rigor científico duvidoso, atrevo-me a dizer que a esmagadora maioria das boas ideias que fizeram e fazem rolar o mundo se deveram e (felizmente) devem a excêntricos.
Pela parte que me toca, ficasse eu excessivamente rico (se é que isso é possível) e dedicar-me-ia à solene causa da excentricidade.
Não há nada que impeça os pobres de serem excêntricos (excluída a falta de dinheiro) mas sentir-me-ia mais confortável se o fosse sendo rico do que meramente remediado, posição que provisoriamente ocupo.
O meu subconsciente é, por questões higiénicas, dividido em dois grandes blocos: o bloco activo (que menosprezo), onde se escondem aquelas forças negras que me impelem a trabalhar e a dar de mim um ar compostinho e o bloco prazenteiro que se divide em ineficiência, desperdício, alucinação, hibernação e inutilidade.
Mercê da sua maior organização interna, o bloco activo impõe-se e com ele vou vivendo, mas tenho à espreita todo um manancial de pequenas inutilidades. De pequenos eus, doidos por cabriolar pelas avenidas da vida abaixo.
Esperai que talvez um dia a coisa se dê!
Como me é de todo impossível, momentaneamente, espraiar a disfunção, aprecio e venero os excêntricos com a inveja que me é permitido ter pelos que são realmente grandes.
À cabeça dos meus sonhos vem indubitavelmente Leonardo Da Vinci. Por tudo, e apenas por isto - uma máquina de partir ovos que utilizava a necessária (provavelmente excessiva) força de quatro cavalgaduras para cumprir a sua função. Existe o projecto da coisa, nada prova que tenha sido sequer tentada a construção, com mais que óbvia pena de toda uma humanidade em busca de novas razões para aplaudir.
De forma menos prosaica, admiro (com curvadíssima vénia) o grupo de marinheiros americanos que nos idos de setenta foram suspensos de funções por utilizarem as juntas de um porta-aviões como quebra-nozes. Dependia a produtividade da máquina do estado do mar e penso que será oportuno lembrar que, ancorado, o mastodonte perdia toda a sua utilidade.
Ontem, e ontem será porque a esta hora já é amanhã, regressando a desoras à leitura do meu mais antigo livro de cabeceira, Stirred But Not Shaken (a quase quase póstuma autobiografia de Keith Floyd), capturei mais um antológico momento de excêntrica e salutar alegria de viver.
Estava Floyd a filmar em França para a série da BBC "Floyd in France" no início dos anos oitenta quando o seu produtor, David Pritchard, conheceu numa noite de copos um multimilionário hippie que vivia num palácio nas redondezas do local onde pretendiam  filmar um episódio. Mais ainda, o senhor tinha um artefacto que na altura pareceu apropriado à utilização num programa de culinária: um balão de ar quente.
Dito e feito e lá vão, ar acima, o feliz proprietário, um desconfiado Keith Floyd e um pouco menos que aterrorizado Clive North, o operador de camara.
A ideia era dar uma voltinha, filmar uns "pretties" e fazer uns comentários acerca da vista.
Já a considerável altura, o francês resolve obsequiar os convidados com nada menos que uma taça de Champagne e daí a aparecer dos confins do cesto uma Magnum, foi um instante.
Fleumático, e para mais tarde se arrepender, Floyd terá feito um comentário acerca da temperatura pouco apropriada do vinho.
Conhecedor de física, talvez mais do que de condução de balões, o milionário (hippie) explicou aos dois ingleses boquiabertos como se gela uma garrafa de Champagne instantaneamente - expondo-a à evaporação do gás butano das garrafas do balão.
O princípio era correcto, embora o local não fosse adequado.
Privada de gás (que entretanto se consumiu a arrefecer um litro e meio de néctar), a chama que aquecia o ar do balão extinguiu-se e a descida abrupta terminou numa auto-estrada onde felizmente algúem se apercebeu da chegada do balão, parando a tempo de evitar um choque que poderia ter um desfecho funesto para estas três personagens de opereta.
O francês, que reconhecia ao seu balão vontade própria e dotes de geografia, não fazia a mais pequena ideia do sítio onde tinham aterrado, o que dificultou um pouco a confecção do prato correspondente a esse episódio, cujos ingredientes viajavam num carro juntamente com o resto da equipa.

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