segunda-feira, 6 de abril de 2009

Laços


Durante a vida já me morreram parentes, já me morreram amigos, já me morreram conhecidos e já me morreram alunos. É normal que tal vá acontecendo com mais frequência à medida que vou envelhecendo e é também normal que tal tema seja encarado com mais naturalidade.
Há, no entanto, quem não sendo parente nem amigo particularmente chegado consiga marcar com mais profundidade a sua partida.
O Afonso Moura foi-me entregue em 1991 juntamente com a tarefa de lhe dar formação suficiente para poder assumir o controlo do economato da Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra. Era já um homem vivido, antigo dono de um pequeno negócio de transformação de frutos secos a quem a vida dera um pontapé.
A chegada à escola fez-se por intermédio de um tio, formador na instituição.
Era um homem enorme, gordo, fumava e comia desalmadamente, mas tinha uma alma do tamanho do mundo e uma humildade a condizer.
Ensinei-lhe tudo quanto sabia na área que ele supostamente deveria abarcar, mas foi oprimeiro ensinamento aquele que ele, mesmo alguns anos volvidos, ainda me repetia em tom de brincadeira: o economato compra e armazena, a cozinha transforma e o restaurante vende - com isto controlado, controla-se tudo!
O Afonso foi a minha primeira obra enquanto profissional. Moldei-o e rapidamente ganhou asas e se assumiu não só como comprador e despenseiro de excepção, mas também como formador na sua área.
Passámos bons e maus momentos juntos mesmo depois de eu ter cessado as minhas funções, mas há um que nunca perderei de vista. Tínhamos uma sociedade no totoloto com mais uns colegas num total de onze pessoas. Um dia calharam-nos cerca de três mil contos. Calculando que
se trataria de um volume elevado de notas, dirigimo-nos à Caixa Geral de Depósitos do Calhabé munidos de uma pasta, eu como fiel depositário da maquia e o Afonso como segurança de fato escuro, óculos Ray-Ban e ar ameaçador. Infelizmente perdemos todo o brilho quando abrimos a mala em cima do balcão e a empregada nos passou para a mão dois macitos de notas de dez contos que mal se viam no fundo da pasta. Ainda tentámos que nos trocasse tudo em notas de mil, mas mandaram-nos dar uma volta. Humilhados no banco e gozados de volta à escola - ainda hoje me rio quando me lembro da figura de parolos que fizemos.
O Afonso partiu ontem à noite - caiu fulminado na sala de espera de um hospital de Coimbra.
Sinto, sem pretensões, que se me partiu um cordão umbilical. Sempre senti que tinha tocado a vida daquele homem, com vantagens para os dois.

14 comentários:

  1. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

    ResponderEliminar
  2. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

    ResponderEliminar
  3. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

    ResponderEliminar
  4. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

    ResponderEliminar
  5. Vocês não respeitam ninguem.
    Ao menos neste post abstenham-se de escrever alarvidades.

    ResponderEliminar
  6. Pedro sei que o blog não me pertence, contudo julgo ser importante essas mensagens não serem removidas para se perceber como há cavalgaduras com fisionomia humana neste mundo. Assim irei sempre pensar que somos todos bonzinhos. Apelo assim que revele o que essas "pessoas" escreveram. Se necessário identifico-me perante si e dar-lhe-ei o meu email para me transmitir o conteúdo dessas mensagens. Curiosidade maldita!

    ResponderEliminar
  7. É mais certo dar o email...

    ResponderEliminar