sexta-feira, 6 de agosto de 2010

da violência


E a mão, pesada e dura, abate-se sobre o corpo mole...
Sílvia aperta a cabeça entre os pulsos.
Mais que a impressão da dor, aterroriza-a o som.
E corre, foge desalmada pela escada abaixo. Tropeça no último degrau e cai.
Levanta-se e corre.
Irrompe pela rua fora, escura como breu e apenas salpicada pelos candeeiros que a chuva teima em desfocar. Sílvia corre pela rua fora e chora.
Foi ela a culpada. Pensa.
E corre e de novo tropeça. E foge enquanto a mãe, mole, um corpo branco, baço, sem vida. Enquanto a mãe recebe a dádiva do terror diário. Enquanto a mãe apanha os cacos de uma relação que nunca o foi.
E o bruto, outrora pai, levanta a mão.
E a mão, pesada e dura, abate-se sobre o seu corpo mole...
E Sílvia pára. E senta-se no muro do jardim a ver as flores. E vê os casais que correm a fugir da chuva. E ela que não sente a chuva. Nem as lágrimas. Nem a dor da mãe.
E a mãe, desfalecida às mãos do bruto, geme...
Mas Sílvia nada ouve.
A sua cabeça martela-lhe apenas uma frase:
-O arguido deve apresentar-se duas vezes por semana na esquadra da sua residência, aguardando julgamento em liberdade.

Sem comentários:

Enviar um comentário