quarta-feira, 6 de julho de 2011
da lagartice
Sei que era quarta-feira porque o Sporting jogava com uma equipa espanhola para a taça UEFA.
Perdeu, se a memória não me atraiçoa. Não cuidei de ver o jogo.
Mil novecentos e noventa e um ou noventa e dois, não consigo garantir, mas era um final de tarde, pelo menos de Primavera, senão de Verão.
No cartaz do cinema Oxford em Cascais, "The Doors" de Oliver Stone, com Val Kilmer a encarnar o papel de James Douglas Morrison.
Nessa altura não havia internet, a MTV era uma coisa de que só se ouvia falar numa música dos Dire Straits e as edições em VHS eram escassas.
Resumindo; nunca tinha visto o Jim Morrison sem ser em revistas. Sabia que naquele caso era um actor, mas estava entusiasmado.
Conhecia os albuns todos dos Doors - venerava a banda.
O Oxford estava deserto. As poltronas eram altas, claras, extremamente confortáveis, mas um final de tarde de um dia de semana mantinha-as vazias.
Pela primeira e última vez na minha vida, tive um cinema só para mim.
No intervalo, em que o funcionário me perguntou se podia retomar após a troca da bobine ou se pretendia ir tomar um café, aproveitei para contar as filas, o número de poltronas por fila e ousei sentar-me rigorosamente no centro da sala. Senti-me um rebelde: um homem que tinha diariamente sob o seu comando cerca de cinquenta pessoas, mas que naquele momento nada mais era que um garoto sozinho num cinema onde podia escolher o meu lugar sem prestar contas a ninguém.
O filme não valeu o preço do bilhete, excepto pela banda sonora que já conhecia de trás para a frente. Nem a Meg Ryan me entusiasmou.
Morreu nesse dia o encanto. Reconheci a James Douglas Morrison, poeta que o mito fez Maior, o direito ao livre arbitrio de querer ou não compartilhar o seu mundo com o mundo. O restolho de um homem que podia ser e não quis e que apenas a morte engrandeceu. Era a vida dele e ninguém tinha o direito de lha usurpar.
Fez o que fez e, embora pouco, foi bom: mas mais pelo que disse que pelo modo como o disse.
Daí, ainda hoje preferir "An American Prayer" a qualquer outro dos albuns editados da banda. Se calhar uma escolha idiota, se calhar uma presunção.
Jim Morrison, rezam hoje as lendas, morreu entre uma casa de banho de um bar e uma banheira de uma casa da banho de hotel em Paris no dia 3 de Julho de 1971.
Desfoquei propositadamente a data.
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