quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Da tradição...

O escarro é uma instituição nacional.
Precedido do inconfundível "puxanço" de alerta, um gutural brotoejo das cordas vocais a lembrar um serrote de arco, o escarro forma-se na zona da epiglote, ensaliva na cavidade bucal para combater o atrito e finalmente projecta-se, boca fora, para se espraiar no pavimento onde, em todo o seu viscoso esplendor, demonstra o imenso desprezo que o Machus Lusitanus tem pela decência, pela higiene e pelo seu semelhante.
Há-os de todos os tamanhos e feitios.
Os transparentes que denotam ensalivação a mais, resultado do amadorismo do emulador.
Os brancos opacos, sinal de garganta saudável, apenas limpa das impurezas da respiração.
Os verdes de resfriado, constipação ou gripe (do verde alface ao verde garrafa).
Os raiados de vermelho, sinal inequívoco de profunda doença do foro pneumológico.
Nada há de mais nojento no estéreotipo do português.
Esta manhã contei catorze escarros no meu percurso entre o hotel e a Escola Secundária D.Duarte.
Fresquinhos, os catorze.
Pela textura, pela bolha irregular e pelo brilho vitreo, pareceram-me na sua maioria obras de amadores.
Amadores porque em idade escolar.
Herança e preservação da espécie.
Respeito pelas ancestrais tradições do reles.
Catorze.
Descontando os que a besta teve a decência de enviar para as águas do Mondego, apreciando-lhes o arco descendente e a efemera mancha em forma de alforreca (adivinha-se).
Meninos nascidos no limiar do século XXI. Com o portátil na mochila e acesso à internet de banda larga em qualquer lugar.
Somos um povo boçal, é facto, mas sempre podiamos evoluir alguma coisinha.
Ele há coisas que teimam em se manter coladas à pele.
Às vezes sinto vergonha da nossa miséria.
Às vezes limito-me a ficar triste...



3 comentários:

  1. Catorze!
    Que importantes, afinal, são os escarros, que merecem uma tão denodada atenção!
    Resta saber o que aconteceria se, em vez de odiar, amasse (de amar, não de amassar) os escarros!!!

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  2. Ia com atenção para não os pisar e aproveitei para os contar.
    Uma mente desocupada inventa coisas incríveis para fazer.

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