segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Titan da Mata Velha (??.05.1997-21.12.2009)

Foi escolhido precisamente porque era diferente de todos os outros na ninhada. Não era castanho camurça com uma roseta branca na testa como os irmãos, mas branco com manchas castanhas.
Desde muito novo demonstrou que tinha personalidade. Em quase treze anos de vida, contam-se pelos dedos as vezes que consegui colocar-lhe uma trela; pelos dedos de uma mão... Tossia desalmadamente e olhava para mim com os olhos raiados de sangue como se fosse sufocar. Convenceu-me.
Posso assegurar que teve uma vida feliz. Fez sempre o que lhe apeteceu, comeu quase sempre o que lhe apeteceu e, embora eu ache que eramos amigos, nunca se submeteu a ninguém. Deu-se a quem quis e como quis.
Nunca aprendeu absolutamente nada que se lhe tenha tentado ensinar: sabia que a mangueira significava banho e acabou por se resignar a ela mas apenas porque quis.
Desenvolveu uma relação de cumplicidade com a minha mãe que era quem passava mais tempo com ele: em troca da paparoca, deixava-a cumprir em paz os rituais da higiene do seu espaço.
Neste último ano desenvolveu um tumor do qual se sabia o desenlace.
Talvez porque já não tinha com ele a relação de outros tempos, fiz que questão de o segurar nos braços hoje enquanto uma injecção de pentobarbital de sódio lhe acabou com o sofrimento por volta das três da tarde.
Deixou-me no coração duas marcas: a de lhe ter aberto a cova com ele sempre ao pé de mim e a do esforço que fez momentos antes de ser injectado, para se arrastar na direcção da minha mãe naquele que considerarei sempre um gesto de agradecimento.
Descansa em paz, amigo.

2 comentários:

  1. Tem a minha solidadariedade, amigo Pedro.
    Já me aconteceu o mesmo.
    Só que eu não tive a coragem de permanecer no local. Como os homens não choram, raspei-me cobardemente, antes que alguém desse conta das lágrimas que rebentavam...

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  2. Tem a minha solidadariedade, amigo Pedro.
    Já me aconteceu o mesmo.
    Só que eu não tive a coragem de permanecer no local. Como os homens não choram, raspei-me cobardemente, antes que alguém desse conta das lágrimas que rebentavam...

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