quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Da necessidade de colocar sempre as coisas em perspectiva ou como dizia o Peter Gabriel "if looks could kill, they probably will"


Compro meias duas vezes por ano.
Sempre no Verão, sempre no Inverno e praticamente sempre no comércio tradicional.
Hoje é Inverno e fui às meias.
Fui à Baixa, fui enganado na Briosa porque me venderam um folhado de Chaves que veio a pé de lá e começou a caminhada, quase de certeza, antes do Natal- não merecia, sou cliente habitual e dos que compram pastéis às caixas - e mesmo tendo sido enganado e tendo reclamado ainda comprei uma caixinha de Nevadas que essas sim, essas mesmo que venham a pé é de Penacova que, convenhamos, além de mais perto é sempre a descer.
Entre a Briosa e as meias encontrei músicos e dei asas ao meu lado filantrópico: ao mecenato do nível que me posso permitir. Distribuí moedas...quis o destino que só tivesse das grandes.
Chegado às meias. Lindas. De lã para manter os pés quentinhos (deitar em lençois lavados e calçar meias de lá novas são dois prazeres igualmente bons e igualmente reminiscentes, quase viagens à infância, ao colo). Comprei quatro pares com vinte e cinco por cento de desconto. Vou andar com um pé gratuito…
Paguei em dinheiro (mais ou menos) vivo e faltou-me uma moeda para facilitar o troco.
"Desculpe, mas dei as moedas todas aos músicos. Também trabalham e têm direito...".
"Isso é verdade e respeito-os, mas podiam ter um repertório mais variado. O senhor já viu a estafa que é estar aqui uma tarde inteira a ouvir sempre as mesmas três músicas? Uma pessoa cansa-se. Ainda se houvesse clientes…”.
Foi aí que se me fez luz e me preencheu a memória a senhora da loja em frente ao Millennium a quem quase agredira com os olhos momentos antes.
A senhora que, de caneta em riste, saiu porta fora, vermelha, e pediu ao rapaz do saxofone que se calasse um bocadinho ou que mudasse de sítio. Chovia e eu estava abrigado ali ao lado, deliciado com um solo de free jazz extraído com o que me pareceu competência, de um saxofone preto e cromado e que, poderia jurar, tinha mais botões que o costume. E como o rapaz do saxofone fazia render os dois euros que lhe tinha posto na caixa, senti-me roubado por quem o mandava calar.
Baixei os olhos que antes tinham literalmente esfaqueado a senhora que só queria fazer o inventário com a cabeça sossegadinha e segui prás meias a pensar no quanto a nossa sociedade estava a ficar irritadiça.
Afinal não.
A moça das meias é menina para ter razão.

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