sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Mimos

Os dias são cada vez mais curtos para a enormidade de coisas que temos para fazer. Seria pertinente que a evolução nos permitisse conseguir ter necessidade de menos horas de sono com o fito de libertar tempo para aquilo que é mesmo importante. O tempo é o bem mais escasso do nosso quotidiano.
Só que o tempo não estica e por essa inadaptabilidade da natureza aos tempos modernos, temos que pagar o nosso tributo em cafés todos os dias. Em cafés e em saúde (esta última na sua definição mais lata: bem-estar). Quem tem uma vida "comum", não consegue deitar cedo mas obriga-se a cedo erguer. São as tarefas diárias que começam de noite e terminam de noite e mesmo assim fica sempre algo por fazer nesta recorrente procrastinação que é a nossa vida: amanhã faço isto, amanhã faço aquilo, tenho que arrumar isto, tenho que organizar estas fotos, tenho que escrever isto, tenho que preencher aquilo, tenho, tenho, tenho...
Até que um dia estamos velhos e tudo o resto fica para segundo plano. As prioridades baralham-se porque passamos a ter tempo, mas já não conseguimos fazer o que ficou para trás. E vem a solidão, vem a depressão, o abandono... Os filhos que nós despejámos no ATL acham normal despejarem-nos no asilo ou simplesmente abandonarem-nos à nossa sorte. Nós sabemos o que lhes fizemos e não os criticamos, antes damos-lhes razão! A nossa função de pais é muito maior que proporcionar instrução e conforto material. As palavras educação, amor e entrega entram nessa equação, mas a seu tempo teremos oportunidade de saber se as usámos.
Daqui a trinta anos, Portugal terá cerca de um milhão e meio de idosos. Com o decréscimo da nossa população isso correponderá a próximo de vinte por cento do total dos habitantes do país. E porque a medicina e os cuidados preventivos serão cada vez mais eficazes, teremos velhotes para lavar e durar. Pessoas activas e saudáveis que não se renderão facilmente a uma qualquer instituição onde os encostam semi-atordoados com barbitúricos para que comam a sopa sem resmungar. Vamos ter idosos com algum poder de compra, muitos com casa própria, mas vítimas de uma lepra que já todos conhecemos: a solidão. Nas aldeias do interior ainda existe alguma solidariedade pois a população sofre toda do mesmo mal e quando somos todos iguais, amparamo-nos. Nas cidades tem sido feito algum esforço por parte das Juntas de Freguesia e até por algum policiamento de proximidade que mais não podem fazer que bater ao postigo e ver se há resposta: sempre é melhor que esperar pelo cheiro para arrombar a porta...
Lado a lado é um projecto de Acção Social da Associação Académica de Coimbra apresentado esta semana. Não sei se é pioneiro, para mim é. Pioneiro e muito interessante.
Em traços gerais, a A.A.C. pretende mediar a oferta de alojamento a preços realmente simbólicos ou mesmo gratuito a estudantes com dificuldades financeiras em troco de algum apoio a idosos solitários. O alojamento pode ser em casa dos idosos ou, na impossibilidade, numa I.P.S.S. (têm já a colaboração de pelo menos um centro social de bairro) que ceda as instalações. O apoio reveste-se de gestos tão simples como ir à farmácia, ir pagar a conta da luz, acompanhar o idoso ao médico, fazer um bocadinho de companhia caso vivam na mesma casa ou comprometer-se a visitá-lo pelo menos uma vez por dia. Tudo acompanhado de muito perto pelos serviços sociais da Academia com garantias de preservação da identidade e da privacidade de cada uma das partes.
Torço para que tenham sucesso.
Por todas as razões e acima de tudo por uma: isto é uma lição de cidadania. E neste momento, onde os portugueses mais estão deficitários é precisamente na cidadania.
Pode parecer pouco, mas como disse um chinês famoso (não foi o Mao Tse Tung) - "Mesmo uma caminhada de mil quilómetros começa com um passo".

1 comentário:

  1. Cada vez mais Portugal caminha para a solidariedade informal. Como este é um tema com o qual me debato todos os dias no meu trabalho, desde já deixo aqui um grande abraço à Associação Académica de Coimbra e os parabéns pela inteligente iniciativa.

    TMSH

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