quarta-feira, 29 de julho de 2009

Sem mais palavras


João Miguel Tavares é devoto do Evangelho de São Leonard e explica porque é que falhar o seu concerto é pecado mortal.


1º mandamento: Leonard Cohen é o maior e nunca haverá outro como ele. Leonard Cohen tem umas cordas vocais mais curtas do que as saias de Ana Malhoa, mas o que ele faz com aquele par de oitavas é um monumento à arte de bem cantar. Como os embrulhos esquecidos na mala do carro, as suas interpretações têm rasgos, vincos e dobras, mas ouvi-lo é tirar um mestrado de Existencialismo em duas horas e meia. O seu percurso sempre foi o de um solitário, sem progenitores nem herdeiros, e quase a completar 75 anos convém aproveitá-lo enquanto por cá anda e consumi-lo quando por cá passa. Até no Pavilhão Atlântico.

2º mandamento: Não invocar o santo nome de Cohen em vão. Alguma vez ouviu expressões do género “aquele tipo parece mesmo o Leonard Cohen” ou “aquilo soa a uma canção do Leonard Cohen”? Estando sóbrio, não. Porque ninguém soa a Cohen e nenhuma canção se parece com as de Cohen. Essa é uma fórmula bem guardada no cofre neuronal do canadiano, que a partir de 1967 começou a produzir um cocktail perfeito de canções elaboradas sobre Deus, as mulheres e o sexo, não necessariamente por esta ordem.

3º mandamento: Santificar os concertos e (quase) todos os seus discos. O conteúdo do concerto que poderá ver em Lisboa já está devidamente preservado em duplo álbum e em DVD. Chama-se Live in London e foi gravado em Julho de 2008 na O2 Arena. É um item obrigatório em qualquer casa que preze o bom gosto, tal como, aliás, a integral da sua discografia. Se não tiver dinheiro para tudo, invista em Songs of Leonard Cohen (1967), Songs of Love and Hate (1971) e I’m Your Man (1988). E roube o resto. (Menos, vá lá, Ten New Songs, lançado após o regresso de Cohen do mosteiro e com excesso de zen nas faixas.)

4º mandamento: Honrar o poema e a música. Que Leonard Cohen é um dos maiores poetas a pôr a caneta ao serviço da pop é um dogma que 90 por cento da população mundial está disposta a aceitar (os outros dez por cento não sabem ler). No entanto, há não só quem despreze a sua música (ah, a barbárie), como há quem defenda que o bom Cohen morreu após a edição do seu terceiro disco, Songs of Love and Hate. Estes apóstatas embirram particularmente com os coros femininos e os sintetizadores em I’m Your Man. Ora, deve ser sublinhado que I’m Your Man é um dos maiores discos do século XX e que os coros femininos nas canções de Cohen, com todos os seus la-la- -las e dum-dum-dums, devem ser elevados aos altares.

5º mandamento: Não matar Leonard Cohen. A lenda diz que tal esteve perto de acontecer em 1979. Durante as gravações de um dos mais atribulados álbuns da história da música – Death of a Ladies’ Man –, produzido pelo agora encarcerado Phil “Wall of Sound” Spector (assassinou a actriz Lana Clarkson em 2003), Cohen queixa-se de ter estado com um revólver colado à pele. Spector tinha o estúdio cheio de armas e vivia obcecado que lhe roubassem as gravações (diz-se que dormia com elas), passeando-se pela casa com um calibre 45 numa mão e uma garrafa de vinho na outra. Certo dia encostou o revólver ao pescoço de Cohen e disse-lhe: “I love you, Leonard.” Cohen respondeu-lhe: “Espero bem que sim, Phil.”

6º mandamento: Não cometer adultério com Leonard Cohen. Já cometer adultério ao som de Leonard Cohen é não só permitido como altamente aconselhável. As suas canções servem simultaneamente para seduzir, trair e arrependermo-nos de ter traído. O senhor Cohen é doutorado em qualquer uma dessas actividades e, de “Suzanne” a “So Long Marianne”, os seus discos estão cheios de canções sofridas e de mulheres abandonadas.

7º mandamento: Não roubar Leonard Cohen. Já basta o que lhe aconteceu em 2005, quando descobriu que o seu antigo agente, Kelley Lynch, tinha tomado conta das suas poupanças enquanto ele se dedicava a praticar budismo no monte Baldy. O desfalque do ex- -amigo ascendeu a cinco milhões de dólares, deixando a conta bancária de Cohen reduzida a 150 mil dólares. À ganância do senhor Lynch devemos, contudo, um bem inestimável: o regresso de Leonard Cohen aos palcos, dada a sua urgente necessidade de fazer dinheiro.

8º mandamento: Não levantar falsos testemunhos contra Leonard Cohen. Falsos testemunhos como: Leonard Cohen não gosta de estar em palco. É verdade que Cohen não gostava de estar em palco, e precisava da dose certa de vinho tinto para conseguir enfrentar a multidão. Mas na presente digressão terá atingido o nirvana dos concertos – hoje em dia ele diverte-se, diverte-nos, alongou a tournée e, como qualquer velhinho que se preze, está fascinado com os jovens que descobrem a sua música.

9º mandamento: Guardar castidade nos pensamentos e nos desejos. Humm... Ok, esqueçam este.

10º mandamento: Não cobiçar as canções alheias. Que é como quem diz: ó ímpios, tirem as mãos das canções do senhor Cohen. Leonard Cohen já foi alvo (“alvo” é a palavra correcta) de três tributos: I’m Your Fan (1991), Tower of Song (1995) e o documentário e depois disco I’m Your Man (2005). Nenhum desses objectos chega sequer a uma unha do pé do fraquito Ten New Songs. A regra, portanto, é deixar as canções de Leonard Cohen em paz, a não ser que haja alguma coisa de relevante a acrescentar. As excepções à regra são o “Hallelujah” de Jeff Buckley, o “Tower of Song” de Nick Cave e o “Chelsea Hotel Nº2” de Rufus Wainwright. Em dias luminosos podemos ainda acrescentar “Bird on a Wire” (por Johnny Cash), “Suzanne” (versão maluca de Nina Simone) e “If It Be Your Will” (por Antony). Não são os originais, lá isso não são, mas comungam do seu espírito.

Leonard Cohen actua quinta-feira no Pavilhão Atlântico, pelas 21.00. Convém ser pontual, porque as probabilidades de o senhor Cohen começar a cantar entre as 21.00 e as 21.01 são muito elevadas. Prepare-se para um concerto a rondar as três horas, com intervalo. Os bilhetes vão dos 30 aos 75 euros, gasto abençoado por Deus.


in Time Out Lisboa

10 comentários:

  1. Belo sentido de oportunidade.........
    Que tristeza naõ poder assistir ao concerto.
    Bem haja Pedro.

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  2. A crise obriga a fazer alguns cortes.....
    Fico á espera do seu post sobre o concerto

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  3. Ó Costa 30 euros dá pra muito binho... tinto!

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  4. De que ano é "Dance me to the end of love" ?

    Não sei... mas lembro-me perfeitamente de que andava na escola primária e via sempre o Top Disco (hábito adquirido com o papá :) ).
    Lembro-me de ver o teledisco (TELEDISCO! Isso do video foi uma invenção mais tardia) e de ver e ouvir o "Dance me to the end of love"...
    Claro que não percebia uma paravra do que diziam mas recordo-me de achar o teledisco muito triste :)

    Leonard Cohen, de quem não posso dizer que sou fã, faz parte como vês das memórias da minha infância!

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  5. Se quiseres muito saber, daqui a pouco posso perguntar-lhe.

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  6. Estou feliz. Muito feliz. Sou amigo do Miguel Felgueiras e andava amargurado por ele não cumprimentar a tia Fátima com medo de ser visto com ela.
    Agora que ela se livrou dos crimes ele já pode voltar a falar-lhe e mantém o emprego e o da mulher na Câmara de Felgueiras.
    Bem haja tribunais portugueses.

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  7. Carvalheira é o Jorge Carvalho de Mercedes!!

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  8. É pá que se passa no GEDEPA da Pampilhosa? Mentiras e vigarices? Quando muda aquela gente que só se sabem servir das colectvidades para protagonismoa e promoções pessoais?

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