domingo, 7 de abril de 2024

da Escrita



No ”Masters of the air”(https://www.imdb.com/title/tt2640044/), quando Bucky regressa ao voo depois de ter sido “air exec”, uma espécie de coordenador que fica em terra, pediu para ser ele a escrever as cartas aos familiares dos militares mortos no bombardeamento falhado a Bremen. Escrever pelo próprio punho cria um laço. Não basta a assinatura, tão pouco o nome do remetente. Escrever pelo próprio punho une as duas pontas da corda.
A escrita está a perder-se. Não apenas o gesto, mas todos o processo acessório que ajudou a criar rituais por gerações.
Tenho um frasco de tinta preta Quink, a tinta recomendada pela Parker, ainda antes das canetas de tinta permanente carregarem cartuchos, pequenas ampolas de tinta, a roçar a esferográfica, que pouparam tantos dedos azuis, eu sempre preferi pretos, a tanta gente.
Encher uma caneta não é um trabalho isento de perigos; se os preceitos não forem honrados, pode-se borrar a escrita e nem o mata-borrão conserta o que o descuido tece.
O que se escreveu à mão, não se corrige sem deixar mácula. Talvez por isso se pense mais diante de uma folha de papel que diante de um teclado que tudo permite, até o anonimato: a nossa letra fica irreconhecível fora do papel.
É uma questão de personalidade.
Debitar escrita cursiva fazendo correr um fio de tinta e construir mensagens estruturadas que secam ao ar e cravam de forma indelével a ligação directa entre o cérebro e a mão, é algo que não nos podemos dar ao luxo de abandonar. É um retrocesso.
A escrita fez-nos seres solidários, como o fogo nos fez seres inteligentes e robustos. Um método de comunicação sem palavras escritas, retrocedendo ao percurso que nos aqui trouxe ao usarmos emojis é enrolar a passadeira da civilização e desrespeitar tantos, todos quantos, década a década, nos transformaram em algo mais que aquilo que hoje se teima em querer que sejamos.
Somos escrita, fomos grafia, seremos pó, mas nenhum écran carrega, apesar da tecnologia que incorpora, tanta civilização como um documento escrito à mão.


 

Sem comentários:

Enviar um comentário