sexta-feira, 3 de maio de 2024

do Campeonato


Restou-me virar os olhos ao chão e assumir a soberba, a arrogância e o egoísmo.
Não que mo tenham apontado, mas cabe-nos olhar para os nossos actos e medir a consequência da sua dimensão.
Cheguei à fila dos carritos para despejar o veículo onde antes repousaram meia dúzia de compras.
Era o carrito mais pequeno, o que só tem uma fila e a fila estava ocupada.
Um velho de muletas, com as muletas dentro do carro e o carro a servir de andarilho, tentava sair de marcha a ré.
Esperei sem alvoroço e, é verdade, não tinha pressa, mas a pressa é uma coisa que se ganha num simples piscar de olhos ou, porquê negar, quando diante de nós alguém aparenta ter ainda menos pressa.
E a meio do trajecto, ainda entre guias, o idoso resolve ser audaz e dar a volta ao carrito para poder sair de frente do estacionamento.
Um velho, manco, entre duas guias metálicas que confinavam o estacionamento, a ousar uma manobra perigosa.
Não tinha como correr mal.
O condutor, apesar das limitações, não era desprovido e mostrou que afinal não tinha que correr mal. O carrito passava debaixo das guias e isso permitia a manobra.
Mas o tempo escorria.
E eu a gozar o prato. Eu, que já ouço amiúde a frase "olha que não vais para novo", armado em Tarzan Taborda, deixei o homem à sua sorte. 
"O senhor precisa de ajuda?" lançou uma cidadã que passava.
Não precisava. Estugou o passou, virou a viatura e foi-se embora para superfície comercial, a manclitar acima e abaixo, agarrado ao carrito, à laia de andarilho.
Restou-me virar os olhos ao chão.
Nem por um momento pensei que ajudar aquela alma teria sido mais proveitoso para ambos ou, num exercício de auto-comiseração porque, já mo têm dito, "não vou para novo", ao menos ter-lhe perguntado se precisava de ajuda.
Somos todos uns campeões até a vida nos mostrar que não. 

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