sábado, 10 de setembro de 2011

do amargo, o mais complexo dos sabores


Há quem diga que a idade traz as favas e a lampreia. A mim trouxe-me, até ver, as favas. Um dia destes desvendo por aqui uma receita original de favas. Lampreia, não me parece. Não tenho idade suficiente para apreciar e provavelmente nunca vou ter.
Outra coisa que a idade traz é o prazer do amargo.
O amargo sente-se na parte de trás da língua, a partir do centro e a caminho do garganta, mas em contrapartida é o sabor que tem direito a mais área na lingua. É o mais complexo. Descaiu-se para as traseiras porque a evolução assim o quis. À frente de tudo está o doce, depois o salgado, o ácido espraia-se pelas laterais e no final de tudo o amargo. Tudo planeado pela natureza para proteger as crianças de comer o que não devem, é a explicação mais ou menos científica.
Curiosamente, o picante não é reconhecido: limita-se a provocar dor. E a "cegar" os outros sabores.
Com a idade chegou-me inexoravelmente o amargo. Os dois: o que cultivei como imagem de marca de cada vez que abro a boca e o que aprendi a apreciar enquanto sabor de vários tons.
O amargo espraia-se mais nas bebidas, havendo até classes próprias que o cultivam. Desde o suave da água tónica ao praticamente imbebível do Underberg ou do Fernet Branca.
No meu caso, fico-me pelas meias-tintas, um amargo dos mais complexos que conheço: o Campari.
Bebo-o com sumo de laranja e aprecio-o a jogar às escondidas com o doce à medida que evolui na língua: primeiro doce e depois amargo.
Mas a verdadeira dimensão do amargo do Campari, fala quando se lhe junta água tónica e uns pinguinhos de sumo de limão. São duas bebidas com alma a discutir entre si, a competir pela supremacia.
Bebe-se como aperitivo, porque o amargo, excepto raríssimas excepções, não vai bem com nada.

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