segunda-feira, 3 de novembro de 2008

A selva


“O Capitalismo é a arte do desenrasque”. Quase que podia jurar que foi alguém importante quem disse isto. Alguém importante ou pelo menos lúcido. Alguém que, asseguro, teria do ser humano a ideia que todos deveriamos ter. O ser humano, se tentado, comporta-se como qualquer predador no seu habitat natural. Delimita o seu circulo mais restrito mesmo que para isso tenha que destruir tudo o que antes construiu: obras, relações, ordem, organização.
A civilização é um tropeção na longa marcha evolutiva. O Homem é um solavanco da natureza; um ramo que cresceu mais que o previsto mas que por isso mesmo um dia vergará ao peso dos seus próprios frutos.
Tudo nos é anterior e tudo nos será posterior e da nossa civilização nada restará que o tal pequeno tropeção. Tão pequeno que não passa de um pequeno grão de areia se comparado com a imensidão do relógio cósmico.
Daí que, ciente da sua efemeridade, o Homem tudo quer, tudo mexe, tudo reclama. E tudo ao mesmo tempo.
O Capitalismo é, por isso mesmo, o que mais se aproxima do lado animal da nossa raça. O forte alavancando a sua subida nas costas do fraco. O grande alimentando-se do pequeno mesmo que antes o tenha tratado como igual na sua ansia de chegar ao cume.
Tempos de leite e mel incutem espíritos de solidariedade que logo são arredados: basta faltar sustentação. Aos fracos as sobras e as revoltas. Mas mesmo que das revoltas surjam novas ordens, rapidamente se rodeiam dos vícios das anteriores. Servidão e acrescidas benesses que um pequeno intervalo de tempo permite que sejam distribuidas com alguma justiça. Um pequeníssimo intervalo.
Quando o Status Quo treme, as fundações que outrora eram de ferro descobrem-se e mostram que mais não eram que barro pintado.
O capitalismo, disse-o um dia, penso, alguém importante, é a única filosofia económica que vinga. É obviamente imperfeita, mas tem uma característica impar: não foi inventado pelo Homem.
É a luta pela sobrevivência com as regras que a Natureza para si também impõe: os maiores sobrepõem-se aos menores, os mais fortes alimentam-se dos mais fracos. Regras límpidas que achamos justas ou não consoante estejamos na metade de cima ou na metade de baixo.
O Homem, arrogante, tem de si uma imagem de superioridade em relação ao equilibrio da Natureza. Pensa e, com tal atributo, tem consciência da sua finitude e do papel que tem que desempenhar no pouco tempo que por aqui anda. O Homem quer deixar rasto, quer deixar obra, quer lançar no futuro uma imagem perene da sua passagem. Pretende contrariar a Natureza, mas olvida que ele próprio é Natureza.
Quando acossado, o Homem é capaz das maiores barbaridades, em nada diferindo da mais comum das bestas.
E voltamos ao capitalismo.
Quando o conto de fadas desaba, quando o bolso é mais portão de saída que porta de entrada, quando a realidade se prepara para ir mais longe que a ficção, rasgam-se os tratados, pisam-se as teorias, ultrapassam-se as regulamentações e enganam-se os reguladores.
É a selva.
A Natureza em todo o seu esplendor.
Os mais fortes alimentam-se do suor dos mais fracos.
E comem com as mãos como se nunca tivessem deixado de o fazer!

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